segunda-feira, 4 de agosto de 2008

"PERGUNTARAM-ME SE ACREDITO EM DEUS"




Um amigo chegou para mim e disse "li seu texto no Blog, você acredita em Deus não é mesmo?", confesso que a pergunta me pegou de surpresa, descobri que, apesar de ter um pensamento bem elaborado sobre o assunto, não tinha uma resposta na ponta da língua, mesmo porque minha resposta está longe de ser um sim ou um não, está mais próxima de um não sei, que se encaixa no lema do Blog "Aonde vale mais o viajar que o destino" (inspirado na letra de "Esta Tarde" dos Paralamas do Sucesso), respondi um sim meio gaguejante e completei, ainda gaguejante, "de uma outra forma, mas não acho que seja o mais importante", ele emendou, num tom de brincadeira com um fundo de seriedade, " precisamos te salvar", retruquei "você não acredita?" e ele me respondeu um "não" bem firme.
Resolvi escrever este Post, para clarear minhas idéias e compartilhar, com quem interessar, minha visão sobre o assunto. Lembrei-me do livro de Rubem Alves "Perguntaram-me Se Acredito Em Deus" e resolvi tomar o título emprestado, mas, ao pesquisar um pouco mais, percebi que precisava primeiro falar um pouco mais de Rubem Alves, cujas idéias se aproximam bastante do que penso.
Para começar, é necessário esclarecer um pouco da trajetória de Rubem Alves, cujo status de autor pop, acaba gerando um preconceito em parte da intelectualidade. Ele se tornou bacharel em Teologia pelo Seminário Presbiteriano de Campinas em 1957, tornou-se pastor Presbiteriano e, em 1963, foi para Nova Iorque e se tornou Mestre em Teologia pelo Union Theological Seminary, nos anos 60 se envolve com o movimento latino-americano de renovação da teologia, suas idéias liberais o colocam em choque com o protestantismo histórico e ele é denunciado como subversivo pela Igreja Presbiteriana, que o considera persona non grata, abandona a igreja e resolve retornar aos Estados Unidos, se torna Doutor em Filosofia (Ph.D.), pelo Princeton Theological Seminary. De volta ao Brasil se torna professor-adjunto na Faculdade de Educação da Unicamp e passa a focar seu trabalho na Educação. No início dos anos 80, torna-se psicanalista pela Sociedade Paulista de Psicanálise. Como a citada conversa com meu amigo caminhou pela Psicanálise, vale um parentesis, extraído da Wikipedia, sobre Rubem Alves e a Psicanálise: "Rubem Alves tem desenvolvido sua teoria e prática psicanalítica em torno da idéia de que o inconsciente é a fonte da arte e da beleza, rompendo com a tradição psicanalítica que descreve o inconsciente como um sub-universo, com um repertório de traumas, repressões e negações, juntamente com impulsos animais destrutivos. Alves defende uma atuação focada na visão de beleza da pessoa por ela mesma, a impulsionando a lutar contra o que a oprime e subjuga. Afirma ainda que a psicanálise deve se libertar de dogmatismos cientifizados e que "parte de nossa neurose é o desejo onipotente de ter os nossos bolsos cheios de verdades e certezas"."


Quanto ao livro, vou me limitar a reproduzir partes do depoimento que Rubem Alves deu à Folha de São Paulo, quando do lançamento em Maio de 2007:


...o livro "Perguntaram-me se Acredito em Deus", uma compilação de histórias protagonizadas por um certo Mestre Benjamin, um sábio que fala dos problemas e da natureza do mundo e da humanidade. A idéia de escrever o livro, conta Alves, surgiu de um encontro promovido pela Folha em que ele recebeu da platéia a pergunta que se tornou seu título.
Já na orelha, avisa: assumindo uma abordagem "antropofágica", o escritor diz ter "comido" vários textos sagrados e tirado deles o extrato do que ali narra. "Tenho formação protestante e há textos que ficaram em mim", diz Alves, doutor em teologia e filosofia. "Misturei passagens bíblicas à minha imaginação poética, e à poesia de escritores como Cecília Meireles, Walt Whitman, William Blake etc. Não respondo à questão colocada no título. Os leitores ficarão fisgados pela pergunta, mas não vão ter respostas, apenas poesia. Se respondesse, diria que não acredito nas caricaturas que as religiões fizeram de Deus." Rubem Alves ressalta ainda que a questão que importa não é se Ele existe ou não. E sim que a mera presença do nome "Deus" na civilização ocidental é um espinho cravado, que tem poder social e psicológico. "Quando o Papa visitou o campo de concentração de Treblinka, perguntou "onde estava Deus?", a mesma pergunta de um editorial do "New York Times" depois dos ataques de 11 de setembro. É incrível como somente o nome Dele já torna as pessoas estúpidas e elas perdem a capacidade de entender as tragédias do mundo", aponta o autor, assumindo também o caráter professoral de sua nova "contação" de histórias. "Nos meus livros anteriores, a dimensão do mistério já estava presente, mas não de maneira tão concentrada como aqui, com o cotidiano, o humor e a poesia. Como Deus perturba muito a maneira como as crianças, adolescentes, as pessoas em geral entendem a vida, acho que o livro tem sim um sentido educativo."
Isto posto, vamos ao que penso:


Tenho muita dificuldade em acreditar em "ismos", apesar de achar que gosto, futebol, religião, política e outras subjetividades mais, se discutem sim. O papel de colocar em discussão as experiências pessoais é fundamental para elaborar nosso viver, o problema é quando dogmas e verdades nos impedem de perceber e aceitar as experiências dos outros. Necessitamos de referências sim, mas elas têm que ser o meio, não o fim. Acho que a explicação, o modelo da ciência, para a existência é tão inocente e frágil quanto o da religião, acho, portanto, que uma resposta para o que poderíamos chamar de Deus ainda está muito longe do nosso entendimento, se é que algum dia vai estar próximo. O que acho é que a religião nos fornece um repertório de símbolos muito ricos que ficaram marginalizados à luz do positivismo. Não sou inocente a ponto de acreditar literalmente em um Deus que é um ser, à nossa imagem e semelhança, um velhinho barbudo, com poderes infinitos, que tudo sabe, tudo vê e tudo pode e que, por uma lógica que nos escapa, produz tantos castigos e sofrimentos, talvez para nos provar, para, após tanta penúria, se passarmos bem por todas as provas, nos levar à vida eterna. Mas também não sou inocente a ponto de ignorar que, se levar em conta tais afirmações, de uma forma mais poética, mais subjetiva, há muito de verdade nesta imagem. Acho que esse mistério, que permeia as relações humanas, e que é a fonte de toda a construção e destruição, sendo que uma é complementar da outra, é a fonte de inspiração para os primórdios das religiões, é mais ou menos o que pode ser nomeado Deus. Os símbolos foram a forma que nossos antepassados tiveram para descrever, elaborar e celebrar seus sentimentos e percepções da vida, de uma forma poética. É uma pena que estes símbolos, de tempos em tempos, são transformados em verdades e utilizados como forma de poder e dominação. Ainda bem que, de tempos em tempos, alguns rebeldes subvertem estas verdades. No livro de Rubem Alves, por exemplo, ele reconta algumas parábolas do Novo Testamento, à luz de uma visão mais contemporânea, e podemos perceber a força destas estórias, não uma força mágica, mas uma força de ampliar nossa percepção do mundo e das pessoas. Um exemplo, dado pelo Frei Cláudio, da Igreja do Carmo, que me fez compreender a diferença entre símbolo e dogma é o seguinte: se você deixar de se benzer antes de uma refeição, é claro que este ato, por si só, não vai mudar a forma como a comida vai ser processada em seu corpo, a benção não é uma energia mágica, que desce dos céus e torna o alimento melhor (abençoado) ou pior (amaldiçoado), mas, de vez em quando, é bom parar em frente ao prato e tentar perceber quantos seres, quantas relações, quantos movimentos, quanta vida, quanta morte, quanta alegria, quanto sofrimento, foram necessários para que um simples arroz, feijão e carne cheguem prontos à sua mesa, assim, quem sabe, aquele alimento sagrado e abençoado, por tudo isto, seja saboreado com mais gratidão e satisfaça melhor a sua fome ("você tem fome de quê?").

Quanto ao vídeo que ilustra o Post "Quem tem ouvidos para ouvir, ouça!"

9 comentários:

Afonso disse...

Afinal, como é que vamos saber se Ele existe ou não? Talvez esteja aí algo muito além de nossas possibilidades cognitivas. Dentro delas, o única Deus (ou Deusa) que posso imaginar é a cruel e implacável lei da causa de da consequência. Mas isto não me impede de viver a espera de um milagre, se é que vc me entende... Afinal, a lendária ferradura pendurada na parede de Pasteur (ou será Lavoisier, tanto faz), nos ensina uma lição verdadeiramente milenar...

Júlio Costa disse...

Caro Afonso,
Mas eu não acredito em milagres, em mágica. O milagre é a própria vida e todo o emaranhado de relações que ela causa. A ferradura funciona mais como o símbolo de alguma coisa do que um objeto, que, por força de alguma energia misteriosa, provoca algum fenômeno, mas, pense bem, talvez a energia que colocamos no símbolo da ferradura, possa gerar alguma reação no mundo material, se é que você me entende. Este tipo de argumento usado pelos ateus, que também têm dogmas, é muito pobre e não acrescenta nada à discussão. Tudo bem que há os que acreditam em milagres e vagam cegos pelo mundo, mas colocar tudo no mesmo saco não é lá muito sensato também. O ateísmo é um tipo de fé e, como todo tipo de fé, não pode ser cega, afinal "fé cega é faca amolada". Se Deus for um "performer" que, de vez em quando, produz mágicas maravilhosas, para demonstrar o seu poder, eu serei um dos primeiros a vaiar.
Um abraço,
Júlio

Afonso disse...

Sim, sem dúvida o ateu dispende energia descenessária para provar inexistência de Deus, além apenas reforça a máxima tão bem colocada por Lenine em sua música "Umbigo": quem está contra mim també está comigo. Acho que estou mais para agnóstico. Por isso mesmo disse: Como é que eu vou saber? Mais no sentido de reconhecer uma limitação do que uma afirmação taxativa. Por isso a ferradura de Pasteur retoma todo seu valor, não como simples depositário de uma energia emprestada, explicação demasiado racional, mas como uma espécie de rev(f)erência àquilo que ultrapassa nossas capacidades. Aliás, um dia escrevi uma poesia sobre Deus que é mais ou menos assim:

Deus não está além do tempo,
Deus é o tempo.
Deus não está além do sopro,
Deus é o vento.
Deus está além da vida?
Deus é a morte,
Deus é o silêncio.
Deus está na flor que brota?
Ou será Deus natureza morta?
Deus não está atrás da porta,
Deus é a porta.
Aberta ou fechada?
Não importa,
Deus é o silêncio.

Para mim ela como a ferradura de Pasteur.

Júlio Costa disse...

Prezado Afonso,
É bom saber que, de alguma maneira, convergimos, assim, quem sabe, teremos mais chances de sermos salvos.
Só para enriquecer, fiz uma pesquisa e a lenda da ferradura ocorreu com Niels Bohr, ganhador do Prêmio Nobel de física de 1922, pelos seus estudos que contribuíram para a compreensão da estrutura atômica e da física quântica, e que participou da construção da bomba atômica, sendo um dos primeiros a alertar para o perigo que ela representava, passando a defender a paz, como fator primordial para a liberdade de pensamento e de pesquisa. (Seria toda essa conversa fruto de alguma sincronicidade?).
Lendo sobre Agnosticismo na Wikipedia (http://pt.wikipedia.org/wiki/Agnosticismo), também fiquei sabendo que, Agnóstico não é um termo que está entre o Ateismo e o Teísmo, ele simplesmente define quem acha que não é possível provar a existência ou inexistência de Deus, através da razão, mas é possível ser um Agnóstico Teísta ou Ateísta. Eu também achava que Agnóstico resolvia o meu problema de falta de identidade religiosa, agora vou ter que procurar outro termo para me definir melhor (como são complicados esses filósofos hein?).
Para quem não conhece a anedota da ferradura, é mais ou menos assim: "Um grande cientista foi visitar Nils Bohr, um ainda maior cientista. Bateu à porta, a que viu pendurada uma ferradura. Quando Bohr abriu, disse-lhe, apontando para a ferradura: "Acreditas, nisto?" Bohr responde: "Eu?!!! NÂO! Mas dizem que funciona mesmo com quem não acredita!"".

Anônimo disse...

E aí mano!
aproveitando a coceirinha da oportunidade de comentar, já que o assunto para mim é tudo de bom:
Se tiver sede, beba! Se tiver fome, coma! O benefício de se saciar é maior do que o conhecimento da água e da comida!
Conhecimentos criam religiões e filosofias, mas a experiência já traduz o existir. Palavra de quem não acreditava e hoje crê.
// Jose Fernando

Júlio Costa disse...

Fernando,
Poucas e muito sábias palavras.
Bela síntese.
Eu, que tenho tendência para a verborragia, admiro muito a capacidade de falar pouco e dizer muito.
Mas, só para apimentar o debate, conhecer da água e da comida pode ser útil para tornar a refeição mais rica, creio que o problema é fixar-se em extremos, nem tanto ao Céu, nem tanto à Terra.
Um abraço,
Bom vê-lo por aqui.
Júlio

Anônimo disse...

Boa, mano,
O Mestre já conhecia desta pimenta...
por isso quando o Dr. Nicodemus (um dos grandes do conhecimento e religião da época) o procurou e perguntou como conhecer e andar no Reino, recebeu como resposta:
É preciso nascer de novo!
Assim, quando agente nasce de novo, não pedimos o cardápio:
A gente chora, mama, chora, mama ..., mama,... mama ... ... acabei de pensar um principio deste blog:

Las Mamas, pode ser um ambiente de prazer, mas também de doação, de alimento genuino, sem falsificações, químicas ou manipulações. Portanto, é como um oráculo, onde não existe pergunta-resposta e sim vivência.
Aviso aos navegantes: quem lê Rubem Alves está lendo a Bíblia: da melhor forma poética e vivencial, como tudo deveria ser de fato.

Fica aí um toque do Mestre:
Eis que estou à porta e bato, se alguém escutar a minha voz e abrir a porta, entrarei em sua casa e cearei com ele, e ele comigo.
...

Boa noite!

Afonso disse...

Grande Julhovisck!
Cá entre nós, não sei deixe levar por termos e definições. Uma palavra não pode resolver mesmo um problema de identidade. Talvez o agnóstico seja justamente aquele que não se assusta com a falta de definição... Não sou um fã ardoroso do pragmatismo, mas acho que eles têm alguma razão quando dizem que as palavras não encerram nenhuma essência, mas são simplesmente aquilo que fazemos delas. Desse modo, “agnóstico”, na minha modesta opinião, continua sendo um bom termo para designar aqueles que não se ocupam com provas da existência de Deus e que suportam o peso da ignorância. Embora ainda me pareça bastante estranho pensar num agnóstico teísta. Em que pese os bons serviços prestados pela Wikipedia é preciso ter algumas reservas. Comecei a pensar nisso depois daquela definição de inconsciente que você tirou de lá quando falava do Ruben Alves. Aquele abraço!

Marcos Jota disse...

Caros amigos,
Após ler o post e o muitos comentários, quero também pisar neste chão.
Concordo com a essencia do que foi relatado, temos convergências. E muitas.
Afirmo: eu acredito em Deus.
Não neste judaico-cristão que é um déspota.
Mas, quero resgatar o termo "religare", que remete ao que definimos hoje com religião. Penso que a idéia de Deus tem este movimento de religação, de nos conectarmos com a nossa busca pela origem de tudo. A busca por um sentido para a vida. Então, refeletir sobre a existência de Deus, é refeletir sobre o sentido de tudo. Assim, as doutrinas (ou religiões ou crenças ou simbolos)nos ajudam a interpretar e traçar prespectivas: sonhar com a vida após a morte, sonhar com o paraiso, ... O fundamental para nós humanos é simbolizar e significar todas as coisas e fenômenos. Assim, o simples ato de responder a pergunta título já é um ato de fé, pois nos obriga a pensar sobre o sentido das coisas.
É assim que acredito em Deus, como um ato de fé: de acreditar que a vida pode ser melhor, acreditar que a vida já é boa, acreditar que estar vivo é uma oportunidade e tanto, e principalmnete, de acreditar que estou fazendo o melhor para ser digno desta oportunidade.
Markim