sexta-feira, 9 de abril de 2010

O Mario Quintana nosso de cada dia - Mastiga-me devagarinho


Mastiga-me devagarinho

"Deu um suspiro, retesou-se no assento e tombou."

Tomei nota da frase para estudar o que havia de errado nela, ou em mim, visto que a achei de um cômico irresistível.

A notação e seqüência dos fatos estava exata, o estilo enxuto. Como era, então, que a gente ria tanto, em vez de chorar?

Mas agora, passando a limpo a referida transcrição (de um de nossos clássicos), não atino como não descobri logo a coisa. O pique estava na rápida e por assim dizer convulsiva sucessão dos gestos, como naqueles jornais cinematográficos de antigamente. O suspense requer suspensão do tempo, emoção em câmara lenta.

O suspense é o striptease do horror.

"Mastiga-me devagarinho!" - dizem os viciados no escuro das salas de projeção, enquanto no Outro Mundo, ou quem sabe se logo ali por detrás da tela, Sacher-Masoch e o Marquês de Sade estão dançando os dois em vagarosa pavana..

Muito bonito, mas não é bem assim. "Suspense", por culpa do Mestre Hitchcock, tem-se aplicado unicamente a essas taradezas. O que eu queria dizer é que todas, todas as coisas têm de ser dosadas com o suspense, para poderem impressionar e encantar.

Mestra de estilo, feiticeira da arte narrativa, era aquela negra velha que nos contava histórias em pequeninos. Ficávamos literalmente no ar, nem respirávamos quando ela, encompridando a corda, dizia arrastadamente esta longa frase, cheia de nada e de tudo:

- E vai daí o príncipe pegou e disse...


MARIO QUINTANA - CADERNO H

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