segunda-feira, 28 de julho de 2008

Cultura da Fome X Fome de Cultura

Neste momento inauguro uma nova oportunidade de aprendizagem, algo que sempre procuro e me aventuro.

E isto graças ao meu muitíssimo amigo, Júlio, que me convidou a participar deste blog.

Espero ser digno e contribuir com a sua proposta original de trocar ideias, exercitar a dialética.
Por isto, esta é uma experiência nova. E como tal, está impregnada de tropeços e quedas de um iniciante. Assim, sugiro menor rigor na análise e mais compreensão com a tentativa. Daí hoje, deliberadamente, me ocuparei mais com o conteúdo, do que com a forma.


Então, gostaria de iniciar esta participação propondo um aprofundamento a um tema que é antigo, mas sempre presente: a FOME. Para tanto, sem pretensão de ser completo e pretencioso, gostaria de construir um "pano de fundo".
Hoje, ouvimos e lemos muito sobre uma crise dos alimentos no mundo. Observamos o ressurgimento da inflação, com aumento de preços nos alimentos, matérias e mais matérias em supermercados: o feijão, o arroz... cada dia mais caros.
Ao mesmo tempo, discute-se o aquecimento global,o recorde do preço do barril de petróleo, as alternativas energéticas, bio-combustível: cana-de-açúcar, no Brasil, milho, nos EUA... Ouve-se sobre a rodada de Doha, EUA acusa China e Índia de ameaçar acordos, Argentina acusa Brasil de traição...
Tema atualíssimo! Porém, há cinquenta anos atrás um brasileiro já alertava sobre o assunto. Nos convidava a repensar nosso modelo de desenvolvimento e agir: Josué de castro. Vale a pena ler matéria de Marilza de Melo Foucher, no Le Monde Diplomatique Brasil (http://diplo.uol.com.br/2008-06,a2455) sobre este brilhante pernambucano. Para quem já conhece, uma re-leitura. E para que ainda não, uma oportunidade ímpar. Nesta matéria, Foucher nos revela o caráter vanguardista de Josué de Castro que falava em acabar com a fome a partir de uma reciprocidade das nações ao invés da política colonial da metrópole. Hoje, ainda uma utopia.

Desta época surge o conceito de segurança alimentar, muito inicial e restrito à ênfase de que o país em guerra precisa ter alimento para sua população e tropas, daí o termo segurança alimentar, era a idéia de soberania militar. Desde então este conceito vem sendo aprimorado. Passou pela década de 1960/70, quando surge o termo "Revolução Verde", falácia da academia, governos e empresas de agrotóxicos, tratores e sementes, que pregava o aumento da produção de alimentos para acabar com a fome no mundo. No Brasil, foi a chamada "Modernização Conservadora": concentração da terra, expulsão das famílias do campo (êxodo rural), crédito subsidiado, tecnologias modernas (tratores, insumos químicos, sementes melhoradas), fronteira agrícola (na época o Cerrado, o centro-oeste). Era o modelo urbano industrial: a dita modernização do campo e criação de reserva de mão-de-obra na cidade para o milagre brasileiro. Foi quando cresceram a regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo é o ícone. Na época crescer era desenvolvimento. Vimos no que deu hoje. Minha geração é filha desta época, nascido na cidade de pais e mães vindos do interior.
Voltando ao conceito, na década de 1990, surge o magnífico brasileiro, o Betinho, grande mineiro, que coloca de novo o tema em pauta: "quem tem fome, tem pressa!!!" A campanha do Betinho ganha as ruas e o noticiário. O Itamar cria o CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar, em seguida FHC o extingue e coloca no lugar o Comunidade Solidária da Ruth Cardoso, esvazia de conteúdo e ação políca, vira terceiro setor. O governo paralelo do Lula, mantém a chama acesa e formula um programa voltado para o tema. Em 2003, lança o Fome Zero, "um tiro no pé", muito slogan e pouco conteúdo, naufragou!!

Não obstante, apesar do fome zero, muito foi construído, por pessoas e movimentos sociais, no Brasil e no mundo, o conceito foi aprimorado:
"Considera-se Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável - sigla SANS - a garantia do acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, com base em práticas alimentares saudáveis, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis, sem comprometer o acesso as outras necessidades essenciais. "Fonte: CONSEA/MG.
Eu, como agrônomo, há 15 anos, atuo junto a movimentos sociais e ONG engajadas na discussão de um novo modelo de produção agrícola, no campo e na cidade, debatendo e agindo inspirado neste conceito aí. (Veja que sou daqueles que acreditam em utopias. Como dizia Cazuza, nada como uma ideologia para sobreviver). Sempre me perguntando o que podemos fazer para resolver o problema básico, a fome. Seja na cidade ou no campo. Aí atuo ideologicamente e profissionalmente no tema.
Mas, como viver e buscar o novo é ter o foco na dialética da construção. Vivo cá com as contradições desta busca: as minhas e as da nossa sociedade. Daí armo minha metralhadora, miro no alvo, as vezes acerto no que quero, mas também no que não quero e onde nem imagino!

Como o lema do blog é "Do seio de estúpidas montanhas, o Oráculo das Perguntas sem Resposta. Aonde vale mais o viajar do que o destino. Trazendo as boas novas e passando o ferro nas velhas".

Então lá vai provocação de debate... "viva o bom combate"...
Ora, mas nunca se produziu tanto, nunca se consumiu tanto... E a fome permanece...
Nestes últimos cinquenta anos, as mudanças na estrutura agrária do Brasil foi imensa. O tema já é muito conhecido, não vou repetí-lo. Mas podemos perguntar aos nosso pais ou mesmo nos lembrar, que há algumas décadas atrás, a diversidade de possibilidades de aquisição de alimentos era muito menor. Atualmente temos, durante todo o ano, possibilidade de consumir frutas, legumes, embutidos, doces, ..., os mais variados.

Paradoxalmente, me aparece, que nunca nos alimentamos tão mal! Obesidade, colesterol, hipertensão, doenças do nosso tempo. Sobre isto recomendo o documentário "Supersize Me" (no youtube tem e nas locadoras também"), uma denúncia fortíssima ao fast food. Imperdível.
Daí, começa-se a compreender de insegurança alimentar e nutricional não é só falta de ter o que comer. É se alimentar mal!! Vejam quantos de nós tem grana e se alimenta mal. É a vida corrida, para para almoçar e ou jantar é perda de tempo (e de saúde). A mídia nos bombardeia com pizzas, embutidos, doces, ..

Um dos enfoques que mais me atraem no conceito de SANS é a questão da "cultura alimentar", o respeito a diversidade cultural e social. Ela nos remete a questão de que o hábito alimentar e expressão autêntica da cultura de um povo. Então fique tranquilo, que aquele fígado com jiló do mercado central, ou troperão do Mineirão, ou o pastel de angú de Conceição do Mato Dentro, a couve com angú da nossas avós, e muitos outros, são concretamente manifestações de nossa identidade. Assim, comê-los e celebrar a convivência em comunidade é um "ato político", e não só um ato de alimentação do organismo humano. Da mesma forma, que comer no Mac Donald's é também um ato político. Sem discurso planfetário, onde a retórica vale mais que o cotidiano, não tenho um posicionamento maniqueista, mas afirmo que está clareza do ato político da da alimentação é relevante e é bom que estejamos conscientes.
Então deixo perguntas no ar:No que, através do nosso hábito de consumo, interferimos na fome do mundo? Comer é mesmo um ato político? Você apoia José Bové, quando ele propõe quebrar Mac Donald's pelo mundo? Política é política, mas um belo hamburguer com coca cola tem seu lugar? Quando você come aquele torresminho de barriga com uma bela cachaça de Salinas, você está convicto que está mantendo a identidade de um povo? Ou quando você come um frango com quiabo? E a costelinha com orapronóbis?Agora eu fecho aqui: melhor a fome de cultura, do que a cultura da fome do atual modelo de desenvolvimento do nossa civilização, não é mesmo??? O Consumo é poder. O que você tem feito por isto???

3 comentários:

Júlio Costa disse...

É isso aí véi!
Menos dedos e mais pé no balde.
Gostaria até de convidar nossos amigos psicólogos ao debate, pois, para mim, sem compreendermos o que está por trás do conciente, do lógico, do racional, não saberemos a resposta. Ler seu artigo e o do Le Monde Diplomatique, me causou uma extrema perplexidade, em ver o óbvio inatingível (utopia) e o insano irrefreável. Insisto que, se não cuidarmos de outros aspectos mais sutis da humanidade, não acharemos respostas. Tenho até que refletir um pouco mais, para um comentário mais específico.
Seja bem vindo.
Um abraço,
Júlio

Cristiano Abdanur disse...

Marquin, você disse tanta coisa que ainda não consegui processar. Não por me soar incoerente ou incompreensível, mas por despertar idéias tão numerosas quanto as que foram mencionadas no seu texto de estréia, desabafo e questões. Certamente considero comer um ato político, talvez por pensar que todo ato em alguma instância é político. Incrível é a falta de crédito da política nos dias de hoje. Falta de crédito por mim atribuída pela ética louca que referencia o nosso mundo.

Júlio Costa disse...

Bom velho Marcos, vamos saborear este prato, vagarosamente, por partes.
Primeiramente, acho que necessitamos aprofundar um pouco mais no que seja a fome, pois poucos de nós, privilegiados que somos, e inseridos em um pensamento burguês, temos a real dimensão da fome. Como você mesmo disse "nunca se produziu tanto, nunca se consumiu tanto... E a fome permanece...". Fica claro que a desigualdade passa a ser um ponto fundamental a ser atacado. Porém os famintos, em geral, não têm voz e dependem da voz de quem percebe o sofrimento, ou se aproveita dele, normalmente estando em uma "zona de conforto". Sair desta "zona de conforto" e realmente vivenciar a fome é algo muito difícil, necessita de um grau altíssimo de despreendimento, principalmente em uma cultura aonde "O Consumo é poder", uma cultura que nos promete preencher o vazio, com bens materiais.
Gostaria de tecer alguns pequenos comentários, na tentativa de enriquecer seu "pano de fundo", para prosseguirmos depois.
- O ser humano é essencialmente um ser da falta, a busca pelo alimento e, em última instância, pela sobrevivência, como em outras espécies, caminhou junto com a evolução humana, as celebrações, com mesa farta, são um símbolo claro disto. Hoje, inseridos na cultura do excesso, temos pouca noção do que isto significa.
- Não podemos esquecer Thomas Malthus, economista britânico, que formulou a famosa teoria de que a população cresce em proporção geométrica e os alimentos em progressão aritmética, provocando uma imensa corrida positivista, para a solução do problema, desencadeando os efeitos colaterais que presenciamos hoje. É claro que a pessoa de Thomas Malthus não é a culpada, mas ele representa o pensamento e a escolha de uma cultura, em um determinado momento da história. Revisitá-lo, pode nos ajudar a entender melhor o presente.
Depois destas longas garfadas iniciais, vou digerir um pouco mais, para continuar depois.
Um abraço,
Júlio