domingo, 1 de junho de 2008

JUNG E A BUSCA PELA INOVAÇÃO


O trecho que vou transcrever a seguir, está presente no final do capítulo "A Torre", do livro "Memórias, Sonhos e Reflexões", que é a autobiografia do psiquiatra suiço Carl Gustav Jung.

Desde a primeira vez que li este trecho, fiquei impressionado com a abordagem de Jung sobre o progresso e sempre retorno a ele para refletir sobre os nossos tempos e a busca incessante pela inovação.

É bom lembrar que este livro foi escrito entre 1957 e 1961 e, o que já era um tema para reflexão naqueles tempos, atinge hoje níveis impensáveis a 50 anos atrás.


"Tanto nossa alma como nosso corpo são compostos de elementos que já existiam na linhagem dos antepassados. O novo na alma individual é uma recombinação, variável ao infinito, de componentes extremamente antigos. Nosso corpo e nossa alma têm um caráter eminentemente histórico e não encontra no realmente-novo-que-acaba-de-aparecer lugar conveniente, isto é, os traços ancestrais só se encontram parcialmente realizados. Estamos longe de ter liquidado a Idade Média, a Antiguidade, o primitivismo e de ter respondido às exigências de nossa psique a respeito deles. Entrementes, somos lançados num jato de progresso que nos empurra para o futuro, com uma violência tanto mais selvagem quanto mais nos arranca de nossas raízes. Entretanto, se o antigo irrompe, é frequentemente anulado e é impossível deter o movimento para a frente. Mas é precisamente a perda de relação com o passado, a perda das raízes, que cria um tal mal-estar na civilização, a pressa que nos faz viver mais no futuro, com suas promessas quiméricas de idade de ouro do que no presente, que o futuro da evolução histórica ainda não atingiu. Precipitamo-nos desenfreadamente para o novo, impelidos por um sentimento crescente de mal estar, de descontentamento, de agitação. Não vivemos mais do que possuímos, porém de promessas; não vemos mais a luz do dia presente, porém perscrutamos a sombra do futuro, esperando a verdadeira alvorada. Não queremos compreender que o melhor é sempre compensado pelo pior. A esperança de uma liberdade maior é anulada pela escravidão do Estado, sem falar dos terríveis perigos aos quais nos expõem as brilhantes descobertas da ciência. Quanto menos compreendemos o que nossos pais e avós procuraram, tanto menos compreendemos a nós mesmos, e contribuímos com todas as nossas forças para arrancar o indivíduo de seus instintos e de suas raízes: transformado em partícula de massa, obedecendo somente ao que Nietzsche chamava o espírito da gravidade.

É evidente que as reformas orientadas para a frente, isto é, por novos métodos ou gadgets, trazem melhorias imediatas, mas logo se tornam problemáticas e ainda por cima custam muito caro. Não aumentam em nada o bem-estar, o contentamento, a felicidade em seu conjunto. Na maioria das vezes são suavizações passageiras da existência, como, por exemplo, os processos de economizar tempo, que infelizmente só lhe precipitam o ritmo, deixando-nos então com cada vez menos tempo. "Omnis festinatio ex parte diaboli est" ("Toda pressa vem do diabo"), costumavam dizer os antigos mestres.

As reformas que levam em conta a experiência do passado são em geral menos custosas e, por outro lado, duráveis, pois retornam aos caminhos simples e mais experimentados de outrora, e só fazem uso moderado dos jornais, do rádio, da televisão e de todas as inovações feitas no sentido de ganhar tempo."

3 comentários:

Marcos Jota disse...

Meu caríssimo amigo Julio,

Retomo a participação no "Las Mamas Estupenda", após longa ausência, exatamente neste estimulante texto.
Lhe afirmo que a partir de hoje, procurarei ser mais frequente.

Então, o referido texto nos instiga muito, especificamente eu e você, pois é um tema que convergimos idéias. A princípio, afirmo que ambos concordamos com ele. Porém, isto pode e deve estar apenas na superfície, assim sugiro uma troca de idéias para aprofundarmos e extrairmos o máximo dele...

Primeiro, reafirmo minha crença na reencarnação e na doutrina espírita, o que é o pano de fundo do que afirmo.
A questão da "ancestralidade", o que trazemos conosco de vidas passadas se expressa mais do podemos perceber. Jung fala a inexistência do "realmente-novo-que-acaba-de-aparecer", o que nos coloca num dolema: nascemos e vivemos numa dinâmica, que para cada um de nós representa novidades, o primeiro passo, a primeira ida para escola, o primeiro trabalho, o primeiro, o primeiro, ..., porém na perspectiva história, nossos antepassados passaram pelo mesmo processo e nossos decendentes também o farão. Então cada um vive o mesmo ciclo. O dilema é: hoje o nosso tempo é o topo da evolução da nossa civilização, certo! Mas mesmo assim, temos que passar por todo o processo outra vez. O que não garante, que evoluí em relação aos meus antepassados e nem que meus descendentes serão mais evoluídos que eu. O que digo é, deve ter existido, em eras passadas, muitas pessoas mais evoluídas que nós, mesmo que estivesse na idade antiga ou na idade média. Então o que determina isto? É a educação? É o ambiente (contexto)? É a herança genética? ... Acho que tudo isto e outras mais que poderíamos listar e que nem sabemos ainda!

Gostaria de pinçar uma: a reencarnação? Se concebemos que o espírito é imortal e ele volta para viver o ciclo outra vez, será que ele traz o aprendizado anterior. Eu acredito que sim!!!
Então, voltando ao texto, Jung fala do "mal estar, descontentamento, agitação" em relação ao nosso lançamento para o futuro e a perda de raízes.
Eu pergunto: como isto atinge cada um? É diferente, é claro. Vemos pessoas que se adaptam melhor, parecem estar mais preparadas ou tem mais abertura para o novo, são mais ponderadas para lidar com o novo, sem perder princípios. Penso que estes podem ser aqueles espíritos mais evoluídos, pois intuivamente "se lembram" que o novo de hoje, vai ficar velho também, como nas suas diversas experiências passadas...

É isso aí, de volta ao debate. Aguardando reação...
Markim

Júlio Costa disse...

Caríssimo Markim,
Bom vê-lo novamente, é sempre um prazer exercitar a dialética com tão dileto amigo.
Também estive ausente uns dias e acredito que este texto é um bom tema para o retorno.
Comecei a escrever o comentário e estava ficando tão longo que resolvi colocá-lo em um novo Post.

Anônimo disse...

Por que nao:)