quarta-feira, 15 de abril de 2009

O cigarro de Sade

Recebi através de um grupo de discussão do qual faço parte esse texto interessantíssimo. Interessante porque polêmico e principalmente por ser politicamente incorreto, o que hoje em dia tem que ser valorizado nesse mar de homogeneidade em que vivemos. O texto, de autoria de Luiz Felipe Pondé, foi publicado em sua coluna na Folha de São Paulo do dia 13 de abril de 2009. Não sei se concordo com tudo o que ele disse, mas sobre o antitabagismo e a nova lei de São Paulo fico com a declaração de uma colega de trabalho tabagista inveterada: "O problema da convivência é que só o cigarro é proibido."



O cigarro de Sade
Luís Felipe Pondé

SADE É sem dúvida um autor famoso. Para alguns, ele é um gênio que grita pela liberdade em meio ao século das Luzes (um Voltaire maníaco por sexo), para outros, mero tarado sexual com dotes literários medíocres. Apesar de tê-lo lido com alguma atenção e entender um pouco o que os especialistas veem nele, suspeito que, antes de tudo, seu sucesso se deu porque ele era um nobre "em desgraça" que escrevia pornografia pesada (quem não gosta?). Se ele estiver certo, somos todos tarados sexuais. Mas levemos a sério sua "crítica" e vejamos aonde ela nos levaria hoje.

Sade funda uma "tradição" que é ver no sexo algo além dele. Muitos o seguiram nessa suspeita de que sexo é mais do que sexo. O Sade político ou psicanalista é o mais famoso. Mas há um Sade "metafísico". Segundo sua metafísica, a Natureza é perversa e cruel e, portanto, a rigor, não há crime ou transgressão porque a regra é o crime e a transgressão. Nesse sentido, ele se aproxima muito dos cristãos antigos conhecidos como gnósticos, caras que afirmavam que o mundo foi criado por um deus mau. Segundo o que nos legou os críticos desses gnósticos, alguns deles se entregavam a todo tipo de sexo, menos o reprodutivo, como forma de desafio ao deus mau. Diriam eles: "Veja, oh! Miserável deus, você nos fez gostar de sexo para reproduzir suas vítimas, por isso fazemos apenas sexo estéril". Já há aqui algum indício da "sexualidade de protesto".

Mas o Sade político e psicanalista é mais fácil de circular em jantares inteligentes. Seus frequentadores são consumidores envergonhados de antidepressivos, não aturam pessimismo de gente grande como a metafísica de Sade. A política sadiana identifica na moral social a intenção de nos destruir pela repressão do desejo. Quem busca a "virtude", como sua personagem Justine, é objeto "feito" para ser torturado por uma sociedade que dá corpo à crueldade da Natureza louca. A revolta nesse caso é ser sexualmente "livre": transformar-se no libertino, ou seja, no torturador, identificando-se com a "regra da crueldade gostosa".

Já o Sade psicanalista é aquele que "pressente" o gozo da pulsão de morte como natureza essencial do animal louco que seríamos. Violência, revolução e gozo. Depois dele, nunca mais fomos para cama com alguém sem levar junto Freud (mamãe e papai), Marx (e a ideologia de classe), Foucault (e a microfísica do poder invisível), enfim, haja cama grande para tanta gente. Não fazemos mais sexo, fazemos política e sintomas quando temos tesão por alguém. Confesso que no fundo acho esse papo de perversão sexual meio "boring" (um saco): bater, queimar, cortar, apanhar, ser queimado, ser cortado. A mesma lengalenga de sempre. A morte para um perverso é achá-lo entediante. Na realidade, a política sadiana hoje está espalhada em sites sado-maso banais.

Acho mais interessante imaginar o que Sade teria escrito hoje, se vivesse em nossa época, dada a delírios de uma nova "pureza". Imagine, caro leitor, que existem pessoas que "salvam" o mundo comendo alface! Um exército de rúculas! O que seria transgressivo no caso da "nova pureza"? Tiraria ele sarro do "pai Obama"? Ou talvez ele fumaria um cigarro no meio de um templo onde se reúnem os fascistas da saúde?
Mas tabaco faz mal! Claro que sim, mas ser violentada por cinco caras também faz mal. Fazer sexo nos telhados, como gatos, também faz mal. Por que achar que isso é libertador e fumar não? Vamos adiante, quem é o novo Sade? Que tal comer gordura trans? Ou será que a "ciência da comida saudável" já mudou de novo e agora comer gordura trans combate ataques cardíacos? Vejo um Sade gordo, dilacerando uma picanha em meio a um restaurante de comedores de rúculas. Chorariam? Ou o espancariam? Vaquinhas jamais, mas sádicos comedores de carne e fumantes merecem uma surra? Ou apenas desprezo e nojo? Os nazistas também eram defensores dos animais...

Sua Sodoma seria deliciosamente poluída, rindo das "medições" do aquecimento global. No lugar da teoria Gaia da "mãe terra", a "devoradora terra" gargalhando de nossa "devoção verde".

O Sade do sexo envelheceu. Hoje todo mundo acha chique achá-lo chique. O novo Sade é aquele que, talvez, debocharia de uma sociedade da saúde. O que nos humaniza são os vícios, não as virtudes. Temo pessoas que não têm vícios. O novo hipócrita é magérrimo, "verde" e antitabagista.

8 comentários:

Fá Abdanur disse...

Putz, um tapa na orelha de qualquer
politicamente correto hipócrita solto por ai.. nota 10

Cristiano Abdanur disse...

O cara é tão radical que até eu passei a me considerar politicamente correto demais!!!Tinha a esperança de não ser...hehehe

Júlio Costa disse...

Muito bom mesmo, fiquei mais tranquilo para acender meu cigarro e comer meu torresmo frito, estou longe de ser um sádico, talvez por covardia, mas vou viver minhas fantasias mais em paz!
"Saudações"
Júlio

H. 0.9 disse...

O novo hipócrita é aquele que relaciona posturas diferentes do padrão [como ESCOLHER ter uma vida mais saudável] como fascismo, como se impor tais padrões através da própria sociedade [que ridiculariza de maneira extremamente pobre, mas insistente qualquer expressão de diferença] não fosse um ato de totalitarismo fascista.

O novo hipócrita precisa se esconder atrás de suportes de agressão para se jungar cool, afinal, é legal começar a beber para se "adequar ao grupo", mas acho difícil "parar de fumar" para se adequar ao grupo. Adequação pode ser destruição de personalidade.

O novo hipócrita acredita que o único caminho para poder viver livremente, comer sua gordura transgênica livremente e fumar seu cigarro [que ninguém deveria ser obrigado a tolerar, afinal, "o saudável" não invade seu espaço como a "sociedade sadiana padrão de diversão"] livremente é a destruição daquilo que se mostra diferente deles. Nesse ponto eu acho que os "novos discípulos de Sade" estão muito mais próximos dos tais nazistas [argumento ad hitlerum - para findar qualquer discussão de maneira superior, cite o Sr. Incontestável Adolf Hitler - digno de pena] que os "eco-chatos" ou "Bio-desagradáveis".

Se há hipocrisia no ativismo, não cabe a mim julgar. O que afirmo, no entanto, é que há imbecilidade em toda generalização, e isso não é um julgamento, mas sim, um fato.

Cristiano Abdanur disse...

Belo comentário H. 0.9. Achei o texto do Felipe Podé interessante justamente por incentivar o ato de falar sem meias verdades, sem contemporizar e principalmente de revelar o lado totalitarista e ditatorial que existe mesmo nas pessoas que defendem o bem do planeta e consequentemente o nosso. Amém! Perceba que antes de concluir você se utilizou de várias generalizações, as mesmas criticadas por você no final. Isso faz do seu comentário algo admirável. É isso que o torna importante para mim. Sem a preocupação de evitar as generalizações nos tornamos verdadeiros. Aí sim o debate é possível. Só assim talvez encontraremos o equilíbrio da síntese. Me cansa os radicais que desprezam os vícios humanos como se fossem variáveis simplesmente controláveis e os humanos que fazem do vício um rótulo para parecer cool. Concordo plenamente com você através da discórdia.

Júlio Costa disse...

H. 0.9
Fiquei surpreso ao perceber que este post tenha incomodado tanto você, que parece tão certo de suas escolhas, a ponto de criar um clima de conflito e não de debate. Um pequeno fato, só para clarear um pouco, é que o texto não diz que o novo magérrimo, "verde" e antitabagista é hipócrita, mas o contrário, portanto acho que a generalização vem da tamanha fé que você tem em suas crenças. Acho que você deveria ler o texto com mais atenção e meditar um pouco mais, antes de fazer um comentário tão pobre, inclusive se utilizando de noções muito caricatas de fascismo e nazismo, com a única intenção de ofender e desqualificar. Cuidado que o que você defende pode ser o oposto do que você acredita, fé cega é faca amolada. Para finalizar, uma notícia ruim para você, sua tranquilidade pode ser um fator muito mais importante para sua longevidade do que fumar ou comer gordura, o mal é o que sai, não o que entra na boca do homem. Se você não entendeu, talvez seja interessante pensar que há um caminho do meio, aonde os excessos dos dogmas radicais, podem ser melhor digeridos.

Marcos Jota disse...

Caríssimos, retorno após longa ausência. Estou muitíssimo ocupado e é difícil parar para refletir e escrever. Mas estou feliz por ter lido este post e vi que não poderia perder a chance de colocar a minha "pitada de pimenta nesta feijoada".
O texto de Pondé é muito feliz por abordar um tema, para mim, sempre relevante: a política. Me chamou a atenção, primeiramente, a introdução do Cristiano, que usa o termo "politicamente incorreto". No transcorrer da leitura, Podé menciona "sade politico", "politica sadiana".
Gostaria de iniciar a reflexão com uma leve investida neste conceito: política. Todos sabemos que sua origem é grega, da cidade dos gregos, a polis. Os gregos se reuniam na ágora, a praça do mercado, para discutir e decidir, sobre o mundo deles, que se concretizava na vida na polis, na cidade. Assim, é sempre bom lembrar que "política" é a arte de viver e e participar ativamente da prática de viver na cidade. Diante disto, pra muito além da mediocridade de ver a política somente no seu viés partidário, ou eleitoral, ou representativo, ou qualquer outro, a política é o ato cotidiano e inevitável de viver em sociedade. Aí vale um adendo, algum de vocês aí, pode ter pensado também no conceito de "cidadania" e tem tudo a ver mesmo! Mas também precisamos avançar na compreensão de que ela é muito mais do só "ter direitos e deveres", ou "ir ao procon", ou "votar", ou "ter responsabilidade social",...

Para exercer a política, basta estar na sociedade. Simplificando muito, mas de forma a clarear meu ponto de vista, o simples ato cotidiano de andar (ou ficar parado) na rua é um ato político, pois é feito em um espaço público e de alguma forma vai afetar a vida de alguém, por mais sutil de seja. Não importa se o indivíduo está se empanturrando de alface ou de tabaco, se ele o faz em sociedade, ele faz política. É algo inevitável e essencial para nós!!

Falei um pouco sobre isto para provocar: "na realidade, não existe o politicamente incorreto ou politicamente correto". Da mesma forma que Mário de Andrade afirmou "Amar é verbo intransitivo", poderia me arriscar em dizer que política, na sua essência, não tem adjetivos. Então dizer que ela é correta ou incorreta, a limita e empobrece. O ato político é ser e estar em sociedade e sua essência é a dialética, o contra-ponto, assim afirmá-la correta ou incorreta é negar a sua origem: os gregos na praça debatendo seus rumos e dilemas!
Tanto Cristiano, como Pondé, como os demais que debateram neste post, exerceram a essência da política. Pondé, de forma muito feliz, ao citar Sade, nos alerta para isto: precisamos estar atentos, precisamos estimular a crítica, precisar questionar e debater.
Voltando ao politicamente correto (ou incorreto, tanto faz), poderíamos citar exemplos emblemáticos: se as mulheres não tivessem, questionado a sociedade patriarcal, queimado os sutians na passeata (como escreve esta palavra mesmo?) e lutado por direitos, hoje teríamos uma chanceler alemã, ou uma presidente do Chile? O que era politicamente incorreto, ficou politicamente correto!

Então meus caríssimos, precisamos é debater e questionar a nossa visão de mundo. Como dizia Raul Seixas: "faça o que tu queres", fume ou coma alface, mas tenha ciência, que é um ato que reverbera na sociedade. E se você, por acaso se preocupa com os rumos que ela está tomando, use o seu cigarro ou sua salada de forma a enriquecer sua vida e, inevitavelmente, a nossa sociedade. Finalizo, citando meu amigo Júlio: "Não interessa o que entra, mas o que sai da sua boca".

Feliz por estar de volta,
Marcos

Emiliano disse...

ô galera... o trem é o seguinte... aliás dois trens... rs Odeio se utilizar de... acho que quem utiliza utiliza algo, certo? Se utilizar de é brega, mesmo que esteja de acordo com a norma culta... utilizem algo e parem de se utilizar de algo... esse foi o primeiro trem; o segundo é mais interessante: o sade psicanalista desse cara não entendeu o conceito de perversão... não tem nada a ver com cortar, queimar e blá blá blá... o conceito abrange coisas muito mais simples, sublimes e corriqueiras, envolvidas em toda relação sexual, como: olhar, beijar, felar, etc. etc. belezma? Abraços perversos por trás! e lembrem-se: às vezes um charuto é só um charuto...rsrsrs E fica a pergunta: Essas mamas dão leite?