Neste momento inauguro uma nova oportunidade de aprendizagem, algo que sempre procuro e me aventuro.
E isto graças ao meu muitíssimo amigo, Júlio, que me convidou a participar deste blog.
Espero ser digno e contribuir com a sua proposta original de trocar
ideias, exercitar a
dialética.
Por isto, esta é uma experiência nova. E como tal, está impregnada de
tropeços e quedas de um iniciante. Assim, sugiro menor rigor na análise e mais compreensão com a tentativa. Daí hoje, deliberadamente, me ocuparei mais com o conteúdo, do que com a forma.
Então, gostaria de iniciar esta participação propondo um aprofundamento a um tema que é antigo, mas sempre presente: a FOME. Para tanto, sem
pretensão de ser completo e pretencioso, gostaria de construir um "pano de fundo".
Hoje, ouvimos e lemos muito sobre uma crise dos alimentos no mundo. Observamos o
ressurgimento da inflação, com aumento de preços nos alimentos, matérias e mais matérias em supermercados: o feijão, o arroz... cada dia mais caros.
Ao mesmo tempo, discute-se o aquecimento global,o recorde do preço do barril de petróleo, as alternativas energéticas,
bio-combustível: cana-de-açúcar, no Brasil, milho, nos EUA... Ouve-se sobre a rodada de
Doha, EUA acusa China e Índia de ameaçar acordos, Argentina acusa Brasil de traição...
Tema
atualíssimo! Porém, há cinquenta anos atrás um brasileiro já alertava sobre o assunto. Nos convidava a repensar nosso modelo de desenvolvimento e agir: Josué de castro. Vale a pena ler matéria de
Marilza de Melo
Foucher, no
Le Monde
Diplomatique Brasil (
http://diplo.uol.com.br/2008-06,a2455) sobre este brilhante pernambucano. Para quem já conhece, uma
re-leitura. E para que ainda não, uma oportunidade
ímpar. Nesta matéria,
Foucher nos revela o
caráter vanguardista de Josué de Castro que falava em acabar com a fome a partir de uma reciprocidade das nações ao invés da política colonial da metrópole. Hoje, ainda uma utopia.
Desta época surge o conceito de segurança alimentar, muito inicial e restrito à
ênfase de que o país em guerra precisa ter alimento para sua população e tropas, daí o termo segurança alimentar, era a idéia de soberania militar. Desde então este conceito vem sendo aprimorado. Passou pela década de 1960/70, quando surge o termo "Revolução Verde", falácia da academia, governos e empresas de
agrotóxicos,
tratores e sementes, que pregava o aumento da produção de alimentos para acabar com a fome no mundo. No Brasil, foi a chamada "Modernização Conservadora": concentração da terra, expulsão das famílias do campo (êxodo rural), crédito subsidiado, tecnologias modernas (
tratores,
insumos químicos, sementes melhoradas), fronteira agrícola (na época o Cerrado, o centro-oeste). Era o modelo urbano industrial: a dita modernização do campo e criação de reserva de mão-de-obra na cidade para o milagre brasileiro. Foi quando cresceram a regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo é o ícone. Na época crescer era desenvolvimento. Vimos no que deu hoje. Minha geração é filha desta época, nascido na cidade de pais e mães vindos do interior.
Voltando ao conceito, na década de 1990, surge o magnífico brasileiro, o
Betinho, grande mineiro, que coloca de novo o tema em pauta: "quem tem fome, tem pressa!!!" A campanha do
Betinho ganha as ruas e o noticiário. O Itamar cria o
CONSEA - Conselho Nacional de Segurança Alimentar, em seguida
FHC o extingue e coloca no lugar o Comunidade Solidária da Ruth Cardoso,
esvazia de conteúdo e
ação políca, vira terceiro
setor. O governo paralelo do Lula, mantém a chama acesa e formula um programa voltado para o tema. Em 2003, lança o Fome Zero, "um tiro
no pé", muito slogan e pouco conteúdo, naufragou!!
Não obstante, apesar do fome zero, muito foi
construído, por pessoas e movimentos sociais, no Brasil e no mundo, o conceito foi aprimorado:
"Considera-se Segurança Alimentar e Nutricional Sustentável - sigla SANS - a garantia do acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, com base em práticas alimentares saudáveis, que respeitem a diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis, sem comprometer o acesso as outras necessidades essenciais. "Fonte: CONSEA/MG.
Eu, como
agrônomo, há 15 anos,
atuo junto a movimentos sociais e ONG engajadas na discussão de um novo modelo de produção agrícola, no campo e na cidade, debatendo e agindo inspirado neste conceito aí. (Veja que sou daqueles que acreditam em utopias. Como dizia
Cazuza, nada como uma ideologia para sobreviver). Sempre me perguntando o que podemos fazer para resolver o problema básico, a fome. Seja na cidade ou no campo. Aí
atuo ideologicamente e profissionalmente no tema.
Mas, como viver e buscar o novo é ter o foco na
dialética da construção. Vivo cá com as contradições desta busca: as minhas e as da nossa
sociedade. Daí armo minha metralhadora, miro no alvo, as vezes acerto no que quero, mas também no que não quero e onde nem imagino!
Como o lema do blog é "Do seio de estúpidas montanhas, o Oráculo das Perguntas sem Resposta. Aonde vale mais o viajar do que o destino. Trazendo as boas novas e passando o ferro nas velhas".
Então lá vai provocação de debate... "viva o bom combate"...
Ora, mas nunca se produziu tanto, nunca se consumiu tanto... E a fome permanece...
Nestes
últimos cinquenta anos, as mudanças na estrutura agrária do Brasil foi imensa. O tema já é muito conhecido, não vou
repetí-lo. Mas podemos perguntar aos nosso pais ou mesmo nos lembrar, que há algumas décadas atrás, a diversidade de possibilidades de aquisição de alimentos era muito menor.
Atualmente temos, durante todo o ano, possibilidade de consumir frutas, legumes, embutidos, doces, ..., os mais variados.
Paradoxalmente, me aparece, que nunca nos alimentamos tão mal! Obesidade, colesterol, hipertensão, doenças do nosso tempo. Sobre isto recomendo o documentário "
Supersize Me" (no
youtube tem e nas locadoras também"), uma denúncia fortíssima ao
fast food.
Imperdível.
Daí, começa-se a compreender de insegurança alimentar e nutricional não é só falta de ter o que comer. É se alimentar mal!! Vejam quantos de nós tem grana e se alimenta mal. É a vida corrida, para para almoçar e ou jantar é perda de tempo (e de saúde). A
mídia nos bombardeia com pizzas, embutidos, doces, ..
Um dos
enfoques que mais me atraem no conceito de
SANS é a questão da "cultura alimentar", o respeito a diversidade cultural e social. Ela nos remete a questão de que o hábito alimentar e expressão autêntica da cultura de um povo. Então fique tranquilo, que aquele fígado com
jiló do mercado central, ou
troperão do
Mineirão, ou o pastel de
angú de Conceição do Mato Dentro, a couve com
angú da nossas avós, e muitos outros, são concretamente manifestações de nossa identidade. Assim, comê-los e celebrar a convivência em comunidade é um
"ato político", e não só um ato de alimentação do organismo humano. Da mesma forma, que comer no
Mac Donald's é também um ato político. Sem discurso
planfetário, onde a retórica vale mais que o
cotidiano, não tenho um posicionamento
maniqueista, mas afirmo que está clareza do ato político da da alimentação é relevante e é bom que estejamos conscientes.
Então deixo perguntas no ar:No que, através do nosso hábito de consumo, interferimos na fome do mundo? Comer é mesmo um ato político? Você apoia José
Bové, quando ele propõe quebrar
Mac Donald's pelo mundo? Política é política, mas um belo
hamburguer com coca cola tem seu lugar? Quando você come aquele
torresminho de barriga com uma bela cachaça de Salinas, você está convicto que está mantendo a identidade de um povo? Ou quando você come um frango com
quiabo? E a
costelinha com
orapronóbis?Agora eu fecho aqui: melhor a fome de cultura, do que a cultura da fome do
atual modelo de desenvolvimento do nossa civilização, não é mesmo??? O Consumo é poder. O que você tem feito por isto???